CESTARIA
CESTARIA
A introdução do plástico e outras matérias-primas industriais sintéticas impuseram-se no acondicionamento e transporte dos mais diversos produtos, remetendo-se hoje o vetusto ofício de cesteiro para o âmbito das artes decorativas e do artesanato. Usados no transporte de praticamente tudo, os cestos, sob as mais diversas formas e materiais, foram essenciais no quotidiano das sociedades em todos os contextos, desde a Pré-História até meados do século XX.
Os cestos assumiam, assim, várias formas e funções, sendo a sua tipologia e dimensão definida pelo fim a que se destinavam. A mesma técnica de entrelaçar madeira ou varas era igualmente aplicada no fabrico de sibanas, sebes para os carros de bois, e para os covos, armadilhas utilizadas na pesca da lampreia. A variedade de cestos é, por isso, bastante grande e com características regionais particulares, destacando-se neste território várias tipologias: o gigão ou cesto de folha, destinado à recolha de folhas para fazer o estrume; o cesto de terra, para transporte dos torrões saídos da lavra dos campos; o gigo ou cesto vindimeiro, com as suas versões de meio-gigo ou meio-cesto, para transporte das uvas recolhidas da vinha e retiradas da videira para a cesta da vindima (a que se associava o cambito, peça em madeira ou ferro que permitia a suspensão da cesta na escada ou em qualquer ramo); o cesto da erva; o canastrel para cargas delicadas; a cesta das sementes; a giga baixa ou comprida, para colocar a roupa engomada e também chamada de açafate, mas distinta do pequeno açafate redondo; a condessa, cesto fechado com tampa e asa para transporte das merendas, no campo e nas romarias, ou para envio de encomendas por comboio ou pela carreira; a canastra, levada à cabeça pelas padeiras e peixeiras, e tantas vezes utilizada como berço…
Mas se os cestos tinham particular relevo, o mesmo não se pode dizer do ofício de cesteiro ou canastreiro, um trabalho pouco considerado e discreto porque tido como fácil e realizado em contexto doméstico. Por isso se dizia que cesteiro que faz um cesto faz um cento, assim tenha verga e tempo.
Embora não seja possível conhecer o universo da profissão entre a população penafidelense até ao século XIX, sabemos que em 1815 existiam dez canastreiros na freguesia de Paço de Sousa (três mestres, cinco oficiais e dois aprendizes). Já na cidade de Penafiel, havia um canastreiro no bairro de Fornos em 1820, e, em 1833, outros dois em Santo António Velho (atual rua do Carmo). O recenseamento eleitoral de 1836 registou então quatro canastreiros e cinco cesteiros em todo o concelho e, em 1879, totalizavam-se treze canastreiros e cinco cesteiros. Poucos anos mais tarde, o Inquérito Industrial de 1881 contabilizou oito cesteiros, classificados no item das obras de verga e palha, números que se mantiveram mais ou menos constantes nos recenseamentos que se seguiram, onde apenas a idade avançada destes homens, aliada à falta de interesse dos mais jovens, são indicativos do esquecimento a que esta atividade foi sendo votada. Em pleno século XXI, resistem apenas dois artesãos em Penafiel que ainda se dedicam a este ofício.
Aqui, a cestaria mais característica é a de madeira rachada, usando-se também a cestaria de vime para contentores mais pequenos. Ao contrário da tecelagem, a cestaria de madeira rachada era um ofício de homens, de caráter familiar e disperso, acumulado com o trabalho no campo. Na segunda metade do século XX também as mulheres se dedicaram à confeção de açafates de vara fina, redondos e de pequena dimensão, trabalho minucioso por envolver a contagem e o entrançar das delicadas varas, por vezes finalizado com apontamentos de pintura colorida.
Embora utilizem sobretudo madeira de austrália, salgueiro, loureiro ou amieiro, os cesteiros dão preferência à madeira de castanheiro manso ou carvalho novo, com cerca de três anos, que tem de ser demolhada durante dois dias para depois ser cortada em finas tiras, com a plaina de cavacar, em banco próprio. O cesteiro começa o cesto pelo fundo, segurando com os pés e o seu próprio peso as tiras entrelaçadas. Definido o fundo, as tiras de madeira são então dobradas para levantar as paredes do cesto, e ligadas entre si pelo entrelaçado cruzado de fitas de vime, trabalho que já pode realizar sentado, finalizando o cesto com a execução das asas.
Bibliografia de referência:
SOEIRO, Teresa (2008/2009) – “A cestaria tradicional em Penafiel”, Portugalia, Nova Série, vol. XXIV-XXX. Porto: Departamento de Ciências e Técnicas do Património, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, p. 253-288.
GALHANO, Fernando (1961/1962) – “Cestaria de Entre Douro e Minho. Contribuição para o estudo da cestaria portuguesa”, Trabalhos de Antropologia e Etnologia, 18. Porto: p. 257-335.